Os retratos de uma quase final
ATÉ ENTÃO, a experiência era comum apenas ao futebol, com as finais de Copas Internacionais e campeonatos. Eis que surge o vôlei quebrando paradigmas e se reafirmando como esporte de massa. O efeito que o esporte causou em Montes Claros ganhou o mesmo status do que provoca os tradicionais clubes brasileiros como São Paulo, Cruzeiro e Atlético na véspera de suas mais importantes finais e, por que não, projeção do que os pop stars da música mundial fazem quando vêem ao Brasil, caso de Metallica, Madonna, U2...
ASSUNTO SÓ
NOS ÚLTIMOS dois dias, o assunto - como também o cenário - na cidade era um só: a segunda semifinal da Superliga Nacional de Vôlei entre Bonsucesso/Montes Claros e Sada/Cruzeiro, nesta terça-feira, no Ginásio Poliesportivo Tancredo Neves. Isso porque, depois que venceu a primeira partida em Itabira, bastará ao time norte-mineiro mais uma vitória para chegar à final, algo inédito para um estreante de Superliga.
AS FILAS
EM ESPECIAL, no centro da cidade e na portaria do ginásio, desde a manhã de segunda-feira, filas intermináveis por ingressos e até pessoas dormindo nos postos de venda; isso independente de idade ou mesmo de resistência. Até mesmo crianças, idosos e deficientes físicos estavam enfileirados, pacientes ou impacientes, na esperança de garantir o próprio ingresso, o da família ou dos amigos para o jogo.
LIMITES
CADA UM dos 4 pontos de venda recebeu 600 ingressos para a venda, algo ínfimo pela demanda de filas pela cidade. Por isso, houve, também, um misto de revolta. Dentre as reclamações mais comuns, as várias versões sobre os horário e sistema de venda, assim como o limite de ingressos para cada pessoa. De dez, saltou para cinco e, no final, apenas dois por torcedor. Depois volto ao assunto.
QUANTOS
SEGUINDO AS normas do Corpo de Bombeiros, foram disponibilizados apenas sete mil ingressos, mil a menos em relação ao outros jogos por questões de segurança. A torcida do Cruzeiro ficará em arquibancadas metálicas, na área de fundo da quadra. Do total, são quatro mil bilhetes para o público em geral e os demais para a cota dos patrocinadores, algo regimentado no contrato com o clube.
E AS BRONCAS
A BRONCA É INEVITÁVEL e vem de quem esteve lado a lado com o time em todos os jogos em casa, mesmo que a diretoria esteja atendendo quem não conseguiu o acesso com a instalação de telões do lado de fora do ginásio e ainda na Avenida Sanitária, reproduzindo a transmissão que o canal a cabo SportTV faz ao vivo, a partir das 20h50.
SONHO DA FINAL
VOLTANDO AO OTIMISMO em vitória que a torcida exibe e deixa bem claro que este será o último jogo em casa, já que, com a classificação confirmada em caso de mais uma vitória, o Montes Claros volta à quadra somente na final única do dia 1º de maio, no Ibirapuera, em São Paulo/SP, contra o ganhador da outra chave de Cimed/Malwee e Sky/Pinheiros.
CHEGAR
JUSTAMENTE EM casa, onde derrubou favoritos ao longo de toda Superliga, o Bonsucesso/Montes Claros pode transformar em realidade o seu maior sonho desde a montagem do projeto de um time profissional de vôlei, há nove meses: chegar à final.
CAMINHO DAS PEDRAS
NÃO É APENAS pelos 3 a 1 da primeira semifinal que a missão não é impossível. O 'caminho das pedras' foi descoberto no returno da primeira fase, em casa, quando venceu o Sada/Cruzeiro por três a dois, de virada. Mais motivação poderia vir do histórico de jogos entre os dois times. Foram nove jogos até agora, com seis vitórias montes-clarenses e apenas três cruzeirenses.
CORRERIA
ESTIVE EM TODOS os pontos de venda comprovando essa quase "devoção" pelo time, ontem e hoje. Por força de segurança, os bilhetes foram fabricados no Rio Grande do Sul e só chegaram a Montes Claros no voo das quatro da tarde de segunda-feira. Mas desde o início da manhã, a correria era geral, exigindo apoio da Polícia Militar na segurança, e da MCTrans, na organização do trânsito. Nesta terça-feira, o tumulto foi repetido na bilheteria do ginásio, com a venda de outros mil ingressos.
CENÁRIOS
VAMOS PRIMEIRO ao cenário. Na loja matriz da Palimontes, a fila começava na rua Coronel Joaquim Costa, passava por dois quarteirões da rua Dom Pedro II e dobrava a esquina com a rua Doutor Santos, chegando à Praça Doutor Carlos. A universitária Danielle Costa, de 23 anos, era a primeira da fila. Sua mãe chegou ao local às 7h40 e ela assumiu o "posto" às 10 horas depois de ir à aula. Curiosamente, a jovem ainda não foi a nenhum dos jogos anteriores, mas pela movimentação que o vôlei causou na cidade ficou convencida a acompanhar a semifinal.
ATÉ DE GOIÁS
LOGO ATRÁS ESTAVA o casal Petrônio e Maria Edileuza Vieira, que buscava ingressos não apenas para eles e a filha de 12 anos, mas também, para parentes vindos de Goiânia/GO. "Minha irmã assistiu a todos os jogos que a TV transmitiu e ficou impressionada com tanta gente. Agora ela deu um jeito de vir lá de Goiás", disse Petrônio, que foi a todos os outros 18 jogos em Montes Claros com a filha. "Acho que sempre fui o último a sair do ginásio porque minha filha sempre quis autógrafos e fotos". Edileuza confessou que é "marinheira de primeira viagem" e vai conhecer o ginásio em um dia de jogo, mas no início teve resistência em deixar a filha ir. "O coração de mãe sempre aperta quando os filhos saem de perto. Então, agora, melhor ir junto", disse.
ÚLTIMA
DO OUTRO LADO DA fila, por volta das 17h20, estava a dona-de-casa Vanete Mendes. Mesmo sendo a última, estava confiante de que haveria ingresso. "Não posso nem pensar algo diferente", comentou, acompanhada do filho.
PRIMEIROS
NO QUIOSQUE DA Unimontes, o movimento era curiosamente pequeno, mas com explicação. Para evitar tumultos, logo quando a fila se formou, uma das funcionárias tratou logo de entregar senhas aos torcedores, mas que voltaram logo no horário estabelecido para a venda. Já na loja da Praça Portugal, ao lado da agência do Banco do Brasil, o aposentado Edny Silva, de 61 anos, com base no estatuto do Idoso, dividia o primeiro lugar da fila com Eline e as sobrinhas Caroline e Anne Fernandes, que chegaram por volta das 10h30.
MATANDO AULA
AS JOVENS, DE 21 e 22 anos, se dizem fanáticas com o time. "Queria ter acompanhado desde o início, ainda naquele torneio que esteve na AABB; mas não deu", disse Caroline, que fez sua estreia como torcedora no amistoso de reinauguração do ginásio. Já Anne trocou as aulas do pré-vestibular pela fila. "Não teve jeito", comentou ao justificar que valia "matar" aula.
IDOSOS
EDNY CHEGOU AO meio-dia e estava com a missão de voltar para casa com 7 ingressos. Ao saber que haveria limites por pessoa, reconheceu que alguém lá seria sacrificado. "Primeiro sempre os idosos", brincou. Obviamente que os ingressos não atenderam a todos e a venda foi encerrada por volta das 19h30, em meio ao protesto daqueles que ficaram com as senhas na mão.
PROTESTOS
NA TENTATIVA DE acalmar os ânimos, o diretor Victor Oliveira fez uma turnê pelos locais e foi alvo de protestos, até mesmo pela internet. Por pouco não foi agredido e ainda teve o carro alvejado por chutes e pontapés. Lamentou tudo isso, entendendo que muitas pessoas que até então não chegaram a ir ao ginásio uma vez sequer, resolveram acompanhar este jogo, aumentando o interesse pelos ingressos.
500 METROS
HOJE, no Poliesportivo, uma fila de praticamente meio quilômetro, que acabou por volta do 12h30. Ao anúncio do esgotamento de ingressos veio com uma vaia dos mal sucedidos. João Paulo Santos, vendedor, estava ali desde as seis horas da manhã, inclusive carregando um banco para não se cansar. Mesmo sabendo do limite de um ingresso por pessoa, teria a garantia de cumprir a série de ver, in loco, todos os jogos do time em seu ginásio.
CAMBISTAS
A PM colocou cinco homens para controle da situação e, ao mesmo tempo, para flagrar os cambistas. Eles apareceram, mas bem prevenidos. A venda ilegal é caracterizada pelo porte de cinco ou mais ingressos. Os cambistas vendiam apenas um e, quando flagrados, diziam estar apenas com a própria entrada. Mas um caiu. Hélio de Castro estava com cerca de R$ 500 em dinheiro e 23 ingressos escondidos em seu carro. Foi detido.
SOL E TELÕES
AS IRMÃS Tatiane e Tatiara Paraíso, estudantes, não conseguiram o ingresso mesmo com mais de seis horas de fila. Enquanto guardavam a sombrinha, que protegia do sol, lamentavam a falta de orientação prévia para o público. Sugeriram que as várias bilheterias estivessem abertas ao mesmo tempo ao invés da fila única. Se contentaram, então, com os telões.
DUAS FILAS E NADA
ÁTILA DANTE Lemos, de 18 anos, estudante, enfrentava a sua segunda fila. Ontem, estava no shopping, onde permaneceu por seis horas, sem conseguir nada. Hoje, desde as seis da manhã, no Ginásio, tentava conseguir apenas um. "Será que vou ter que ver pela TV?", perguntou, meio que pessimista. Logo depois teve a notícia de que estava tudo esgotado.
SACRIFÍCIOS
DEFICIENTE FÍSICA e sem uma das vistas, a dona-de-casa Maria Lúcia da Silva, ficou na fila especial e garantiu o próprio ingresso. O filho, bombeiro militar, foi para a fila ainda ontem à noite e passou a madrugada por ali. Logo às seis da manhã, ela voltou e somente ao meio-dia e meia conseguiu o bilhete único. na mesma hora, recebeu uma oferta de R$ 80 por ele, mas retrucou mesmo em meio à falta de educação dos empurrões. "Nem por R$ 200".
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