Comandante do ouro ainda busca trabalho

CONVIDADO DO Bola Cheia, campeão olímpico Rogério Micale fala sobre a escolha de deixar a base, questiona o imediatismo e a cobrança para vencer tudo e revela que dinheiro subiu a cabeça de alguns jogadores

Micale ficou por quase dois anos nas seleções Sub-20 e Sub-23 (foto: Veneta)
EMBORA AINDA busque o apogeu na carreira, com o desafio de, agora em diante, assumir um time profissional, aos 49 anos o baiano Rogério Micale está eternizado como o único técnico brasileiro a conquistar a medalha de ouro. O curioso é que, neste momento, o campeão nos Jogos Olímpicos do Rio 2016 está desempregado desde a campanha do Brasil no último Campeonato Sul-americano Sub-20, encerrada em fevereiro último. O país foi apenas o quinto colocado na fase final – com uma vitória em cinco jogos – e ficou de fora do G-4 de classificação para o mundial da categoria na Coréia do Sul, agora em maio.

NA SEMANA passada, Micale foi um dos convidados de honra na entrega do 15º Troféu Bola Cheia, prêmio aos melhores do esporte de Montes Claros. Foi ovacionado em vários momentos da solenidade, especialmente pelos atleticanos, já que chegou à seleção especialmente pela campanha que fez à frente do clube alvinegro.

NA CONVERSA com a VENETA durante a visita à cidade, o treinador que nasceu na Bahia, trabalhou no Paraná e em Minas Gerais e hoje reside no Rio de Janeiro, revelou que essa última experiência na Seleção Sub-20 foi um divisor de águas.

O PENSAMENTO agora é trabalhar em um clube profissional e virar a página em relação ao trabalho restrito à base. Segundo ele, não há exigência para times da Série A ou B. “O mais importante é o clube ter estrutura e condições de trabalho”. Haveria seleções entre as opções.

Lembra-se da última vez que veio ao Norte de Minas?

MICALE – “Não... Acho que foi pelo Atlético, mas não me recordo quando”.

Você veio treinar o Atlético num jogo do Campeonato Mineiro Júnior contra o Victória, em Bocaiuva. Seu time venceu por 4 a 1 e foi eleito por uma rádio o melhor em campo. O prêmio foi uma genuína peça de carne de sol...

MICALE – “Verdade (risos)... Estava um calor danado...”

Dias antes desse jogo, vazou a notícia sobre a sua possível ida para a Seleção Sub-20 que, mais tarde virou a seleção pré-olímpica. Te perguntei sobre isto e a sua resposta foi breve, mas fugiu do assunto...

MICALE – “Naquela época ainda estamos finalizando a negociação e o pedido da CBF foi para que nada fosse dito a respeito. Realmente, não estava autorizado a falar sobre o assunto, até mesmo por respeito ao Atlético. Mas tudo deu certo”.

Foram quase dois anos na CBF, culminando com o ouro no Rio. Depois de ganhar uma olimpíada, você acredita que as pessoas veem como obrigação ganhar tudo o que vier a seguir, como foi cobrado no Sul-Americano?

MICALE – “Não para todos os casos, mas a cobrança existe sim. Quanto maior o nível que você atinge [de conquista] mais você é cobrado. E acho que não seja somente no futebol; é algo inerente a qualquer área profissional e não foi diferente comigo. Tive seis competições enquanto estive na CBF: cheguei a quatro finais e conquistamos um bronze e, mais recente, esta quinta colocação no Sul-Americano o que culminou com a minha saída”.

Incomoda, irrita?

MICALE – “Isso de cobrar é normal porque, diante dessas credenciais, a expectativa é de que você sempre chegue à final. Até antes do Sul-Americano, chegamos a todas as decisões. Agora, confesso que acho injusto um pouco [a cobrança em excesso] porque, em algum momento de sua vida, você oscila, em qualquer carreira, qualquer área, e isto não quer dizer que o teu trabalho seja ruim. E também quando se ganha muito não quer dizer que o seu trabalho seja 100% bom. É preciso ter critério de avaliação para entender contextos e como as coisas aconteceram; de que forma os resultados foram atingidos. Falta esta visão em nosso futebol. Uma coisa que eu bato muito na tecla, seja com a imprensa ou com os profissionais do meio com quem eu converso: precisamos identificar o processo para saber se o trabalho foi bom ou ruim”.

A independência financeira que os jogadores alcançam, ainda muito jovens, isto interfere na personalidade do jogador? De repente isso tenha sido um problema durante o Sul-Americano?

MICALE – “O Brasil está passando por dificuldades dentro do Sul-americano há três edições. Já não foi ao mundial em 2013, foi apenas o quarto em 2015 e agora não foi de novo. Então é uma coisa que tem que avaliar o que está acontecendo para que a gente possa identificar e tentar sanar este ralo. Agora, é fato: este lance financeiro interfere. Tem alguns meninos que não sabem lidar com a questão financeira; tudo acontece muito rápido, a ascensão é meteórica; em menos de três meses sai de um valor X para um Y dez vezes maior. Balança não apenas o menino, mas também a família. Tem toda uma circunstância, mas percebo que acontece cada vez menos. Hoje tem muita gente nos bastidores que ajuda a assessorar”.

Você já disse que quer, definitivamente, deixar o trabalho de base e saltar para a função de técnico no profissional. Pelo recente histórico vencedor, a possibilidade é de assumir um clube da prateleira de cima ou mesmo no exterior, ou dá pra pensar em alguma equipe de divisão de acesso aqui no Brasil, na Série B ou C?

MICALE – “Preciso de um bom projeto, onde eu entenda que possa desenvolver o meu trabalho, aquilo que eu aprendi a fazer no futebol. Sei que no Brasil a cultura é esta: não se tem tempo, o que interessa é o resultado rápido e eu também me preparei para isto. Agora, tem coisas interessantes surgindo no Brasil e fora do Brasil, inclusive com seleções. Graças a Deus estou em um momento de tranqüilidade para escolher. Nem sempre a gente vai acertar na escolha, mas vou tentar ter tranqüilidade para definir o que for melhor”.

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